quarta-feira, 4 de março de 2009

Lula e o PT

Marcos Coimbra

Estranhos caminhos tem a política. Aquele que parecia o partido da democracia interna e da "briga de tendências" se acalma em uma paz imperial

Para todos os efeitos, metade da questão eleitoral mais imediata de 2010 acaba de ser resolvida. A candidatura da ministra Dilma Rousseff foi praticamente formalizada neste fim de semana, quando, em pesquisa que ouviu quase todos os integrantes do Diretório Nacional e os presidentes dos diretórios estaduais do PT, só um ou outro se manifestou contrariamente. Nenhum dos entrevistados, no entanto, ao ponto de questioná-la de maneira frontal.


Na segunda–feira, a ministra aceitou a indicação, dizendo ter “simpatia pela ideia de sair candidata”. Não falta mais nada: Lula quis, ela topou, o partido aquiesceu.

O percurso do PT até chegar a esse ponto é curioso. Nascido como nasceu, o primeiro partido “de massas” na nossa história, ele passou por um lento processo de crescimento, no qual as palavras militância e organização expressavam verdades, ao contrário do que sempre aconteceu com os partidos políticos brasileiros.

Em seus quase 30 anos de trajetória, o PT teve uma vida de debates e questionamentos internos, dissensões e negociações. Nenhum outro partido, nem antes, nem depois, se cindiu em tantas tendências, tantas alas. Na maior parte das vezes, elas permaneceram no partido, o que aumentou sua diversidade e criou um desafio permanente de preservação da unidade, buscando acordos ou maiorias.

Pode-se gostar ou não do petismo e dos petistas. Pode-se admirar ou não suas ideias e propostas. Pode-se concordar ou não com seus dirigentes e métodos. Mas quase ninguém discorda da originalidade do PT em nosso sistema partidário.

Faz muito tempo que as pesquisas de opinião mostram que a população percebe alguma diferença entre ele e os demais partidos, além da ideologia e das atitudes consideradas típicas de seus militantes (“radicalismo”, “esquerdismo”, certo “idealismo” etc.). Ela tende a identificar no PT uma vida partidária mais intensa, mais contínua. As pessoas costumam dizer, nas pesquisas, que o PT é “único partido político” que, de verdade, existe no Brasil.

Tudo isso mudou com o mensalão, mas não acabou. Mesmo sofrendo com as revelações, a imagem que o PT tinha adquirido em sua evolução foi, em grande parte, preservada. Ele podia ser igual ou parecido aos demais em diversas coisas, mas continuava a ser visto como diferente, enquanto partido, de todos.

O processo que levou à candidatura Dilma tem muito pouco a ver com essa imagem. Sem julgar a ministra, ela virou candidata por uma única razão, que todos conhecemos: porque Lula quis. É o ato de vontade presidencial que tudo explica, solitário e inquestionável. Como poderia ter dito Jânio Quadros: fê-lo porque qui-lo.

Não está em discussão se Dilma pode ganhar as eleições ano que vem. Nem se ela é boa candidata. Quando, porém, aceitou que fosse, o PT ficou diferente, dessa vez em relação a ele próprio.

Que pequenos partidos tenham líderes que resolvem tudo sozinhos (como fazia Brizola com seu PDT), todos compreendem. Que grandes partidos precisem de processos mais sofisticados de decisão, é natural. O que é difícil de entender é como um partido que nasceu e cresceu como o PT acabou assim. Foi só a experiência de ser governo durante seis anos?

A outra metade relevante da equação de 2010, a candidatura do PSDB, continua em aberto, em que pesem os esforços de algumas correntes do partido de fazer prevalecer o argumento de que ela deveria ser apontada “o quanto antes”. Se fosse, ia dar Serra, mas Aécio permanece no páreo.

Estranhos caminhos tem a política. Aquele que parecia o partido da democracia interna e da “briga de tendências” se acalma em uma paz imperial. O que tomava suas decisões em jantares íntimos agora está prestes a expor suas divergências em público, em consultas prévias abertas à participação de milhares de filiados.

Só falta acontecer com o PSDB o que já se passou com o PT: os insatisfeitos com a escolha do nome buscarem novos rumos, lançando uma candidatura dissidente, abrigada em um partido existente ou em um novo, a ser criado

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