quarta-feira, 16 de julho de 2008

Piratas de ontem e de hoje

Artigo Marcos coimbra

"Quem mais se parece com Dantas talvez seja um personagem que teve, no início do século XX, papel tão polêmico quanto o dele em nossos dias: Percival Farquhar, o americano que fez uma imensa fortuna em atividades díspares"

O assunto Daniel Dantas é a coisa mais importante que acontece em nossa política desde a recuperação da imagem de Lula depois do mensalão. Passaram-se dois anos e meio, sem que nada de significado semelhante tivesse ocorrido.


Independentemente de comparações, ele expõe uma parte fundamental do que somos como sociedade, e, ao fazê-lo, permite que reflitamos sobre como funcionam nossas instituições. Executivo, Legislativo e Judiciário, imprensa, grupos de pressão, empresas, tudo está na roda. Em algum momento, criamos, no Brasil, o culto a um tipo de empreendedorismo que tem em Daniel Dantas seu mais alto e mais bem sucedido exemplo em décadas. A riqueza que acumulou, a rede de influências que ergueu, seu desembaraço no relacionamento com as elites políticas, seus poucos escrúpulos ao fazer negócios, podem ter paralelos, mas seu estilo é único.

Quem mais se parece com ele talvez seja um personagem que teve, no início do século XX, papel tão polêmico quanto o dele em nossos dias. Percival Farquhar, o americano que fez uma imensa fortuna em atividades díspares, como ferrovias, mineração, exploração madeireira, colonização, hotelaria, é seu antecessor mais direto. Costumava dizer que "a política e os negócios estão inextricavelmente ligados no Brasil". Saudado por seus contemporâneos como um capitalista iluminado, Farquhar se gabava de “ser capaz de financiar qualquer coisa”.

De fato, criou empresas para explorar atividades apenas nascentes, como geração e distribuição de energia, telefonia, transportes urbanos, assim como outras já tradicionais, como portos e minérios. Acerta quem vê paralelos com as áreas onde Dantas concentra seus investimentos. Como ele, Farquhar sempre se movimentou no terreno das concessões governamentais e da procura de privilégios, se apoiando em relações muito especiais com autoridades do Governo Federal, de estados e municípios.

Assim, durante mais de 20 anos, foi capaz de manter uma redoma de proteção sobre seus negócios, fazendo e desfazendo a seu bel prazer, mesmo quando enfrentava a resistência de sentimentos nacionalistas e lideranças mais combativas. Como Dantas, Farquhar soube se cercar de altas inteligências, para ajudá-lo a pensar o Brasil e a cultivar uma política de boas relações públicas. Um teve Rui Barbosa, o outro Mangabeira Unger. Parece que é tudo igual, que não conseguimos escapar desses personagens, mas há grandes diferenças nas trajetórias dos dois. Farquhar quebrou mais de uma vez, se reergueu, até não mais conseguir mais ficar de pé.

Seu capitalismo, preso a várias formas de imobilização, o deixou mais vulnerável que Dantas. O de agora é mais solto, mais livre, se desloca com mais rapidez. Existe outra diferença. A sociedade não é a mesma, dá sinais de mudança. Embora Dantas tenha feito como Farquhar, procurando meios para se encouraçar e defender seus negócios, encontra gente nova pela frente, que não o admira e não tem medo de enfrentá-lo. Há quem, nos últimos dias, tenha criticado a Polícia Federal e a Justiça Federal de São Paulo, por terem se precipitado em suas ações contra Dantas, o que comprometeria as chances de que viesse a ser punido mais adiante. Estranho argumento, como se essa possibilidade aumentasse caso fossem mais lerdas.

Como se o banqueiro não tivesse sempre vencido, nos retardos. A “investigação perfeita” contra Dantas não estava pronta e nunca estará. Que se faça o que é possível fazer. Antes cedo do que nunca.

Nenhum comentário: