sábado, 13 de dezembro de 2008

AI - 5 UM ATO CRUEL!

AI - 5

A recusa da Câmara em permitir que Márcio Moreira Alves fosse processado pelo governo militar não seria encarada com tranqüilidade pelo Planalto. O regime decidiu endurecer.

A lembrança do AI-5 remete sempre à sessão de 12 de dezembro de 1968 que rejeitou a abertura de processo contra o deputado Márcio Moreira Alves (MDB), transformando-se no estopim para o endurecimento do regime militar anunciado na noite seguinte. Mas como foi a expectativa dos deputados durante o dia 13? E 24 horas depois, quando a decisão do governo chegou ao Congresso? Funcionários da Câmara assistiram de perto a esses dias de tensão. "Ninguém presta atenção nisso, mas no dia 13 não houve um discurso sobre a votação da noite anterior", lembra José Estevam de Medeiros, de 75 anos, há 49 taquígrafo da Câmara. "Todo mundo tinha combinado não falar sobre isso. Os deputados estavam à espera de uma reação do governo. O deputado Arruda Câmara, da Arena, por exemplo, disse que não iria acontecer nada", diz. Mas aconteceu.

Naquele 13 de dezembro, o governo preparava no Rio de Janeiro uma resposta dura à votação da Câmara que protegeu Moreira Alves. O Conselho de Segurança Nacional aprovava o AI-5. Tudo começou em 3 de setembro. Num discurso considerado por muitos despretensioso, Moreira Alves defendeu o boicote ao desfile militar do dia 7 e sugeriu às mulheres que não namorassem jovens oficiais. Era o que o regime militar precisava para endurecer o jogo. Para Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho na época, as palavras do deputado foram uma "agressão à disciplina e à hierarquia dos militares". Então ministro da Justiça, Gama e Silva sugeriu ao presidente Costa e Silva que entrasse com um pedido de processo de cassação contra Moreira Alves. Na época, caberia ao Supremo Tribunal Federal (STF) remetê-lo à Câmara, para que os deputados autorizassem a investigação. A SESSÃO Em 12 de dezembro, numa sessão memorável, presidida pelo mineiro Bonifácio Andrada, mais conhecido por Zezinho Bonifácio, 216 deputados votaram contra o pedido de licença para processar o parlamentar, 141 a favor e 12 se abstiveram. A rejeição contou com o apoio inclusive de deputados da Arena, partido do governo. "Politicamente, eu não posso votar pela concessão da licença, porque, concedendo-a, estarei votando contra o Poder Legislativo", disse Garcia Neto, da Arena de Mato Grosso. Entrou para a história, no entanto, o discurso de Mário Covas, líder do MDB. "Creio no parlamento, ainda que com suas demasias e fraquezas, que só desaparecerão se o sustentarmos livre, soberano e independente", diz trecho de sua fala, cujas notas taquigráficas foram reveladas somente em 2000.

A REAÇÃO

Na noite seguinte, mais precisamente às 23h daquela sexta-feira, Gama e Silva e o locutor Alberto Cury anunciavam o AI-5, que foi aprovado por 22 votos a 1 no Conselho de Segurança Nacional. Apenas o vice-presidente, o civil mineiro Pedro Aleixo, votou contra, porque defendia o Estado de sítio. O presidente Costa e Silva discordou de seu vice e mandou o seu recado: "O que se tem que fazer é realmente uma repressão. Acabar com estas situações que podem levar o país não a uma crise, mas a um caos que nós não sairemos. É oportuno, portanto, fazer qualquer ato institucional como este". No sábado pela manhã, deputados foram para a Câmara para discutir uma eventual reação. "Não houve sessão plenária. Eles se reuniram no gabinete do presidente Bonifácio Andrada (Arena)", lembra Luciano Brandão, 84 anos, diretor-geral da Câmara naquele período. Não havia muito o que fazer mesmo pelos parlamentares. Dois dias depois, na segunda-feira, chegava ao Congresso a decisão do governo de fechá-lo, dando início ao período mais tenebroso do parlamento brasileiro.

Medo

Único voto contrário ao AI-5, o vice-presidente Pedro Aleixo afirmava que a medida institucionalizaria a ditadura, configurando um perigo permanente para a ordem constitucional. Nos meses seguintes, reivindicou a reabertura do Congresso. Ficou para a história a sua resposta dada ao presidente Costa e Silva, sobre a situação em 1968: “Tenho medo do guarda da esquina, general”.

Rasgaram a fantasia

Ministro da Comunicação, que foi perseguido e aderiu à luta armada, recorda imagens do período militar, como o discurso para formandos: "Eles vão partir para a noite do terror"

Ministro da Comunicação Social do governo Lula, o jornalista Franklin Martins viveu todas as agruras da oposição ao regime militar e hoje, aos 60 anos, está no centro do poder político. Ex-líder estudantil — um dos comandantes da Passeata dos Cem Mil, com o ex-deputado Vladimir Palmeira e o atual vice-prefeito do Rio, Carlos Alberto Muniz —, foi perseguido pelos militares e aderiu à luta armada após o Ato Institucional nº5. Preso no congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna, em outubro de 1968, saiu da cadeia na véspera de 12 de março de 1969 convicto de que o regime militar marchava para "uma ditadura terrorista de Estado". "Já saí para a clandestinidade, sabia que a onça viria beber água", disse Franklin. "Fui paraninfo de uma turma do Colégio de Aplicação, uma formatura alternativa. Meu discurso: ‘Hoje estão vindo medidas repressivas, a ditadura está rasgando a fantasia, eles vão partir para uma noite de terror’". Franklin foi um dos autores do seqüestro do embaixador norte-americano Charles B. Elbrick, em setembro de 1969. Depois, viveu no exílio em Cuba, Chile e França, onde se diplomou na Escola de Ciências Sociais da Universidade de Paris. Por duas vezes, voltou clandestinamente para o país, como dirigente do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).

LINHA DURA

Na verdade, o AI-5 foi uma resposta ao crescimento da luta democrática. Manifestações estudantis, da intelectualidade, as primeiras greves operárias de Osasco (SP) e Contagem (MG), a formação da Frente Ampla, um sentimento crescente no país de repúdio à ditadura. Na forma como estava organizada, ela não conseguia deter esse movimento. A linha dura ganhou o controle e implantou uma ditadura terrorista de Estado. Antes havia uma ditadura, mas não havia a tortura como padrão de relação com a oposição. O crescimento do movimento democrático inviabilizou aquela forma de ditadura que era mais ou menos o seguinte: ficava uma linha do Exército e das Forças Armadas dizendo: se vocês continuarem a me desafiar, eu abro a porta da jaula e solto os tigres. Fizeram isso o tempo todo, até que os tigres saíram da jaula e fizeram o serviço.

LUTA ARMADA

Em 1968, havia grupos que defendiam a luta armada. Eu, por exemplo, não defendia a luta armada, estava no movimento estudantil. A organização a que eu pertencia só foi passar a defender a luta armada no ano seguinte, em fevereiro de 1969, depois do AI-5. A luta armada era uma tese com alguma circulação entre setores da esquerda, não era uma realidade política. A realidade política era o movimento de massas lutando pelas liberdades democráticas. O movimento estudantil lutava por mais verbas, mais vagas, libertação dos presos e reabertura do restaurante Calabouço. Eram essas quatro bandeiras no Rio de Janeiro. Nas manifestações, havia gente que defendia a luta armada. O governo Jango foi derrubado pelas armas, parecia uma coisa lógica que a ditadura também poderia um dia ser derrubada do mesmo jeito. Mas a luta armada não era uma realidade. Tanto que o pretexto utilizado pela tigrada para sair da jaula foi o fato de um deputado ter feito um discurso que a ditadura considerou hostil às Forças Armadas e a Câmara não deu licença para ele ser processado. O que fizeram no dia seguinte do AI-5? Cassaram vários ministros do Supremo, fecharam o Congresso e instituíram a tortura como padrão de relação com a oposição. Era o que a linha dura vinha pregando o tempo todo.

DITADURA

O Passarinho e o pessoal dele deram um golpe de Estado… Fecharam o Congresso, cassaram deputados e senadores, fizeram um expurgo nas Forças Armadas, fecharam os sindicatos, fecharam as associações estudantis. Isso não era ditadura? Existe um pouco a idéia de que não havia ditadura antes do AI-5, mas não é isso que aconteceu. Era ditadura desde o primeiro de abril. Mas, à medida que foram perdendo apoio, foram fechando cada vez mais. A partir do AI-5, foram para o terrorismo aberto. Ela já tinha torturado e assassinado antes. O Raimundo Soares e o João Lucas Alves já haviam sido mortos em dependências das Forças Armadas. O Partidão não foi para a luta armada e foi dizimado da mesma maneira, de forma truculenta e sanguinária.

TRAGÉDIA

O AI-5 é um dos momentos mais trágicos da vida brasileira, porque é o momento quando quem está controlando o aparelho de Estado decide usá-lo de uma forma terrorista contra a oposição. Nós tivemos centenas de mortos, milhares de torturados, milhares de exilados, durante anos ficou interditado qualquer tipo de ação legal. Isso é o lado negro. Existe um lado positivo, que não é fruto das pessoas que fizeram o AI-5. É que o povo brasileiro resistiu ao AI-5. E foi encontrar as formas para derrotá-lo. Eu sempre digo, houve três ditaduras; a primeira, vai de 1964 até o AI-5. A segunda, do AI-5 até o "emedebaço" de 1974, quando o povo foi às urnas e votou maciçamente na oposição, deixando claro que estava amordaçado, mas não estava satisfeito. Aquilo ali inviabilizou o modelo terrorista. O resultado foi que o governo Geisel veio com a tese da distensão lenta, gradual e segura. Era a terceira ditadura, a que queria controlar o processo da sua extinção. Isso existiu até a luta das Diretas Já. Quando chegou a luta das Diretas, acabou, perdeu o controle da situação. Era uma ditadura tentando se perpetuar e o povo resistindo. TRANSIÇÃO Os militares foram derrotados, mas mantiveram um mínimo de força, que impediu por exemplo as diretas. A solução de transição acabou sendo pelo colégio eleitoral. Eles foram derrotados, mas mantiveram um mínimo de força e com isso eles puderam negociar uma retirada, não nas condições que eles queriam, mas impedindo por exemplo que houvesse punição aos torturadores, que houvesse uma cobrança maior em relação aos responsáveis pela longa noite antidemocrática que houve no nosso país.

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