quarta-feira, 25 de junho de 2008

Mitos e verdades paulistas

Por Marcos Coimbra
"É o governador José Serra quem conquistou tal fama, que ele, certamente, repudia. Desde quando disputou seus primeiros mandatos como deputado, dizia-se que seu apetite era tamanho que ai de quem se antepusesse em seu caminho"

A política paulista tem coisas que poucas pessoas de fora do estado conseguem entender. Ela costuma produzir acontecimentos que contrariam tudo o que se espera, seja quando seus agentes discordam, seja quando alcançam o entendimento (o que é bem mais raro).


Lá, as brigas do PT com o PSDB chegam a ser tão intensas que toda a política brasileira sofre as conseqüências. Questões de história pessoal, velhas animosidades do tempo de faculdade, desavenças clubísticas, tudo alimenta um clima de competição entre os dois, que contamina o cenário das discussões nacionais.

Mas vêm de São Paulo alguns dos gestos mais eloqüentes de convivência democrática entre líderes dos dois partidos, como o apoio de Mário Covas a Marta, no segundo turno da eleição de 2000, decisivo para que ela vencesse Paulo Maluf.

O próprio Covas já tinha aberto o precedente, manifestando seu voto em Lula contra Collor em 1989. Outra faceta estranha da política de São Paulo é a força de determinados mitos. Orestes Quércia, por exemplo, continua a ser procurado na véspera de cada eleição, como se seu apoio significasse um caminhão de votos.

O mito de sua força permanece vivo, apesar das derrotas que amargou, em todas as eleições que disputou nos 20 últimos anos. Na eleição presidencial de 1994, em São Paulo se dizia que Quércia “vem aí”, com um misto de admiração e temor por um político visto como “trator”, talvez porque imaginavam que vencera a disputa para o governo do estado em 1986 “passando por cima” dos adversários.

Parece que se esqueciam de que Quércia não tinha sido o único candidato do PMDB a ganhar aquelas eleições. Todos do partido tiveram sucesso, com uma única exceção, em Sergipe. O trator que esmagou os oponentes se chamava Plano Cruzado, e não Quércia.

Em 1994, Quércia teve 4% dos votos. Agora mesmo estamos vendo uma situação que coloca em xeque outro mito paulista. Apesar de enormes diferenças, tem alguma semelhança com o de Quércia, pois volta a fazer referência à imagem de trator, de alguém que vai adiante transformando em pó quem está na frente, na procura obstinada de alcançar seus objetivos. É o governador José Serra quem conquistou tal fama, que ele, certamente, repudia.

Desde quando disputou seus primeiros mandatos como deputado, dizia-se que seu apetite era tamanho que ai de quem se antepusesse em seu caminho. Mas foi, especialmente, depois da disputa pré-eleitoral de 2002, quando a candidatura de Roseana Sarney foi detonada, e durante aquela campanha, quando Ciro Gomes foi mortalmente atingido pela artilharia serrista, que Serra ganhou sua aura de “trator”.

Todo mito tem sua verdade, e não há razões para imaginar que Serra seja o oposto, alguém que não consegue realizar seus projetos. Mas os acontecimentos que antecederam a convenção municipal do PSDB em São Paulo, no fim de semana passado, certamente não confirmam a imagem de um político que tudo consegue.

Na verdade, foi a segunda vitória seguida de Alckmin sobre ele, em dois momentos cruciais nos quais o governador esteve empenhado. Logo quem, o “picolé de chuchu”, o político insosso que tantas pessoas criticaram por não ter energia para se antepor a Lula na eleição passada! Pois bem, encarou e ganhou de novo, como havia ganhado em 2006.

Talvez não tenha sido uma derrota. Pode ser que sejam as virtudes de Serra que explicam o desfecho, que foi por ele ser um político cordato, de boa índole, da tolerância e da concórdia, que a candidatura de Alckmin a prefeito prevaleceu, contrariando sua preferência declarada.

Se for esse o caso, é preciso logo corrigir a imagem nacional do governador. Há nela uma distorção grave, que tem de ser remediada: Serra não é trator nenhum.

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