quarta-feira, 18 de junho de 2008

A volta de quem não foi

Marcos Coimbra
A sociedade brasileira tem uma longa experiência com a inflação, que acompanhou nossa historia econômica durante o século 20 inteiro

No noticiário dos últimos dias, o principal assunto tem sido o recrudescimento da inflação, que começa a preocupar seriamente o sistema político. De tema que ocupava apenas os profissionais da economia e do mercado financeiro, os temores da alta descontrolada dos preços alcançam agora quem pouco se importava com isso até outro dia.


As causas do problema não são apenas internas e o fenômeno atinge diversos países, seja desenvolvidos ou subdesenvolvidos. São vários os fatores que se conjugam para explicá-lo, dentre os quais a acelerada valorização do petróleo e o aumento dos preços dos alimentos, puxados pelo consumo em alta em países muito grandes, como a China e a Índia e, em menor escala, mesmo o Brasil.

A sociedade brasileira tem uma longa experiência com a inflação, que acompanhou nossa história econômica durante o século 20 inteiro, ora mais, ora menos intensa. A partir dos anos 1960, especialmente depois da crise do início da década de 1980, ela fugiu do controle e se transformou em hiperinflação aguda.

Se contarmos os anos que se passaram desde a redemocratização, cerca de metade deles foi marcada pela discussão a seu respeito e do que fazer para debelá-la. Até 1994, com o Real, a agenda nacional não conseguiu escapar de sua influência, que determinou a pauta da eleição de 1989, assim como ditou os altos e os baixos de três governos. Sarney, Collor e Itamar viveram seus melhores momentos quando parecia que a enfrentavam e seus piores quando eram vencidos.

Um dia, o que muitas pessoas imaginavam ser mais uma mirabolância, mais um plano maluco que não duraria seis meses, deu certo e a inflação desapareceu quase que de repente. Assim como ela havia marcado o debate e o processo político de maneira central enquanto existiu, seu fim aparente continuou a polarizar as discussões nacionais. Fernando Henrique se elegeu e reelegeu nesse cenário.

De 1994 para cá, a inflação permaneceu viva, reaparecendo mais vigorosa em alguns momentos, como depois da crise cambial de 1999 e nos meses que antecederam a eleição de Lula em 2002.
As subidas e descidas que experimentou e que os especialistas enxergaram em detalhe não foram, porém, plenamente percebidas pela maioria das pessoas.

Depois de muitas décadas de convivência com ela, uma parcela grande de nossa sociedade perdeu a capacidade de imaginar que nossa economia funcione sem níveis elevados de inflação. Pesquisas feitas desde o início do Real mostram isso, com a cristalização de uma parcela de entrevistados, nunca menor que 30%, que afirma esperar aumento de inflação “nos próximos seis meses”, quaisquer que eles sejam. Isto é, não cresce, nem diminui essa proporção, mesmo quando muda o quadro objetivo da economia.

Uma outra parcela, predominantemente mais jovem, sem experiência direta com a hiperinflação, tem reações opostas. Não só tende a não esperar inflação, como a não considerá-la hoje um problema muito grave.

Nisso, paradoxalmente, se igualam aos mais velhos. Quem viveu inflação mensal de 30% (ou mais) acha que 1% ao mês não é nada. Seja quem a teme sempre, seja quem nunca se preocupa com ela, reage com indiferença aos níveis em que está atualmente.

Pesquisa nacional feita pela Vox Populi em maio mostrava isso com clareza. Na pergunta aberta sobre os “principais problemas do Brasil”, somente 1% dos entrevistados citou espontaneamente a inflação. Mesmo confrontada com uma lista com apenas 10 opções, a inflação foi escolhida por não mais que 2% das pessoas, ficando em penúltimo lugar.

O governo vai ter de insistir muito para mobilizar a sociedade para a nova luta que, contra ela, teremos de travar nos próximos tempos.

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